Entre o verde e o amarelo há 50 tons nebulosos

  Fabio Castilhos

Eu não li “Cinquenta Tons de Cinza”. Nem vi o filme. Não porque não me interesso pelo assunto (romance, sedução, relacionamentos), mas por particularmente evitar as grandes hordas da novidade, sem deixar de me informar.

Em conversas com amigos, resenhas de internet e comentários nas mesas de bar, contudo, percebi que muitos leitores e expectadores ficaram apenas na superficialidade sem perceber que as tonalidades de Grey (o Cinza do título, em mais uma versão brasileira Herbert Richers) se adensam durante seu relacionamento. Parece a relação do povo brasileiro com nossa política: ou somos comunistas vermelhos, ou somos tucanos azuis. Não se percebe a nebulosa cinza e inidentificável entre extremos.

Verde e amarelo 01

Política, futebol e religião formam a tríade de assuntos intocáveis mais comentados entre brasileiros. Ao que parece, o que há em comum entre eles é a necessidade de se fazer parte de um coletivo e defender esta bandeira escolhida; no entanto, nossas crenças religiosas, paixões clubísticas e ideologias políticas cegam a ponto de deixarmos de ver as cores das bandeiras do outro. Minha religião é mais salvadora. Meu time é o melhor do mundo. Meu partido é o ideal.

Na realidade, nosso partido é diversos corações partidos. Depois dos anos de Ditadura Militar, acreditou-se que nós, o povo, saberíamos fazer a democracia. E soubemos. E também soubemos apontar os desvios de rota: os debates na mesa de bar sobre os motivos do aumento do preço da gasolina e a concentração de milhares de pessoas em passeatas são o retrato dessa liberdade de língua solta (analógica ou virtual) que podemos ter hoje. No entanto, entre um extremo e outro de opiniões há uma nuvem de informações ignoradas; uma quantidade imensa de tons que os olhos viciados não querem ver. Como resultado, Bolsonaros e Felicianos vestem-se com o manto da razão sob aplausos anônimos de quem não sabe o que quer e diz que não quer corrupção: questiona corrupção, mas falsifica carteirinha estudantil; reclama da violência, mas aplaude a pena de morte indonésia.

Embora legitimadas pela democracia, essa nova onda de manifestações não me representa. Não vejo nenhum degradê, nenhum salmão, nenhum fúcsia. Apenas as cores frias de raivas e de intransigências sem argumentações palpáveis. As manifestações que pedem impeachment não me representam porque não pedem reforma política, nem investigação profunda de todos (não apenas da Era Lula e da Era Dilma, mas de tempos imemoriais da Era FHC). Essas manifestações não me representam porque já tem subcelebridades, grife de roupa, eleição de musa, trilha sonora sertaneja e tinta importada muito cara para pintar o rosto. Essas manifestações não me representam porque pegam o verde e o amarelo da nossa bandeira, distanciam um do outro e apenas turvam com uma névoa cinza.

Verde e amarelo 02

O personagem Christian Grey tem sido descrito como o sedutor que as mulheres querem no século XXI. Há, contudo, ao meu ver,uma infinidade muito maior de sedutores mais interessantes e menos cinzas. Da mesma forma, há uma infinidade muito maior de cores, além do vermelho e do azul, entre o verde e o amarelo de nossa bandeira; desejo, portanto, que não a pintemos com as mórbidas cores de nosso passado.

 

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