Nei Nordin
Durante muito tempo os cientistas partilharam do consenso de que os seres humanos eram a única espécie capaz de fabricar artefatos ou ainda utilizar ferramentas para ferir seus inimigos. Parece que estavam enganados.
Existe um único registro documentado de uma guerra civil entre chimpanzés e as motivações parecem estar muito próximas daquelas que originaram tantos conflitos na história da humanidade. Ainda hoje os pesquisadores demonstram perplexidade com relação ao fato e uma série de dúvidas persistem quanto aosreais motivos.
Era janeiro de 1974. Um chimpanzé chamado Godi fazia calmamente sua refeição em uma árvore afastada no Parque Nacional de Gombe, na Tanzânia. Godi percebeu tarde demais que estava cercado por oito macacos. Numa tentativa de se salvar, ele conseguiu pular da árvore e tentar correr, mas foi logo imobilizado. Durante um período que durou entre cinco e dez minutos ele foi brutalmente golpeado sem que pudesse se desvencilhar do ataque. Ao fim deste tempo ele jaziano chão em estado tão deplorável que mal podia se mover.
O macaco Godi nunca mais foi visto e presume-se que tenha morrido em decorrência dos ferimentos sofridos no ataque.
A emboscada contra Godi não foi um ato isolado. Foi na verdade o início de uma série de conflitos que dividiu uma comunidade de chimpanzés na reserva de Gombe, o que foi chamado pela primatologista britânica Jane Goodall de “A Guerra dos 4 Anos” e que consistiu numa onda de assassinatos sistemáticos, premeditados e violentos que nunca foram antes registrados entre primatas.
Os motivos reais e exatos ainda são um mistério.Talvez nunca venhamos a saber os pormenores com exatidão. Existem, contudo, fortes indícios de que a guerra entre os primatas esteja envolta numa aura de “disputas de poder, ambição e ciúmes”, segundo o professor de antropologia evolutiva, Joseph Feldblum.
Jane Goodall atualmente tem mais de 80 anos e durante mais da metadede sua vida foi dedicada à pesquisa no campo da primatologia. Em boa parte desse período esteve no Parque Nacional de Gombe. A pesquisadora já havia revolucionado a compreensão que temos sobre os animais ao revelar ao mundo que chimpanzés eram capazes de fabricar e usar ferramentas para caça, além de possuir uma linguagem primitiva e ser capazes de compreender e interpretar a intenção de seus pares.
Goodall acompanhou todo o episódio da guerra dos chimpanzés na década de 70 e constatou a capacidade de crueldade que esses animais podiam demonstrar. Durante os quatro anos dos conflitos ela documentou saques, surras e assassinatos entre duas facções (Kasakela e Kahama) que se concentravam no sul do parque, Neste período constatou-se que um terço das mortes de chimpanzés machos foram causadas pelos próprios animais.
Os chimpanzés são animais capazes de praticar violência, mas os ocorridos no parque Gombe excederam todos os registros de brutalidade de que tínhamos conhecimento.
O episódio ainda hoje é estudado e as interpretações mais recentes analisaram as alianças entre 19 chimpanzés machos durante um período de sete anos anteriores ao conflito. De acordo com esta análise, no período que vai de 1967 a 1970 os machos do grupo original estavam misturados e sociabilizados.
Então a comunidade começou a se dividir e alguns macacos passavam mais tempo no norte enquanto outros passavam mais tempo no sul. Em 1972 a socialização entre os machos já ocorria exclusivamente dentro das facções Kasakela ou Kahama. Com o tempo os integrantes começaram a demonstrar atitudes de hostilidade quando a outra facção se aproximava. Eles subiam nas árvores, davam gritos que indicavam demonstrações de poder. Ao se aproximarem, jogavam galhos uns nos outros.
Embora as origens das animosidades sejam um mistério, existe a forte suspeita de que o conflito tenha iniciado devido à luta pelo poder entre três machos: Humphrey, pelo grupo do norte, e seus rivais do sul, Charlie e Hugh. A violência entre eles afetou toda a comunidade e alterou toda a rede de relações e vínculos sociais.
Humphrey era grande e ameaçador e sabia atirar pedras. Charlie e Hugh só conseguiam intimidá-lo quando estavam juntos. Durante os quatro anos em que duraram os conflitos, o grupo de Humphrey destruiu gradativamente o grupo rival com ataques que causavam espancamentos e mortes. O grupo invadia o território alheio e, ao encontrar um chimpanzé, o atacava cruelmente até quenão pudesse se levantar mais devido aos ferimentos. Neste estado era deixado para morrer.
O conflito da reserva de Gombe foi levado adiante numa sequência de eventos até que um grupo aniquilou o outro praticamente por completo e assim tomou seu território. Somente então o conflito foi dado por encerrado.
A guerra dos macacos oferece uma assustadora oportunidade para que possamos olhar para o nosso próprio passado oferecendo um vislumbre para nossas verdadeiras origens. Assombroso pensar que o progresso de nossa civilização pode ter conhecido seus primeiros impulsos não pelas conquistas maravilhosas de nosso cérebro desenvolvido possibilitando o engenho humano no campos das coisas que enaltecem os homens, mas, pelo contrário, nos domínios da violência, da guerra e da destruição.
Até agora não há notícia ou registro de que evento semelhante tenha ocorrido entre os animais, salvo entre os seres humanos que, de lá pra cá, se dizimaram aos milhões em incontáveis guerras.
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