Nei Nordin
Postado em 17/05/2015
No dia oito de maio de 2015 um fato pitoresco surgiu nas manchetes dos principais jornais do Brasil. O vereador Odilon Rocha (PMDB), da cidade de Paraupebas, no Estado do Pará manifestou em discurso aberto na câmara municipal sua indignação com a remuneração de sua função, o que seria insuficiente para prover seu sustento.
O salário de um vereador nesta cidade está em torno de dez mil reais, chegando a treze mil reais com os auxílios para utilização de combustível, telefone e outros. O vereador dispõe ainda de carro oficial para uso.
A declaração chocou e causou indignação entre o público:
“Nunca tinha pensado na minha vida se vale a pena ser vereador ou se não vale a pena. Tem coisas que são insignificantes em função de outras. O valor que o vereador ganha aqui, se ele não for corrupto, ele mal se sustenta durante o ano, durante o mês”
(…)
“Se eu for sobreviver apenas com esse salário, com certeza absoluta, eu não passaria o padrão de vida que levo hoje”
Por si só o fato já é descabido e evidencia o quanto o parlamentar anda distante e alienado da realidade de seu eleitorado. Curiosamente seu perfil, no site da câmara de Paraupebas, consta que sua missão como vereador é “trabalhar em prol do povo que merece escolas de qualidade, segurança, saúde e saneamento básico”.
É fato que aqueles que detém privilégios sempre estão prontos a expor um leque de justificativas para legitimar seus ganhos. Os seres humanos tem esta tendência a mudar e esquecer radicalmente as situações anteriores, principalmente quando sua condição melhora. Não tenho conhecimento sobre a origem do vereador Odilon Rocha. Não vou me dar ao trabalho de pesquisar isso. Certo é que sua atitude denota uma incrível falta de consciência da posição que ocupa e da responsabilidade frente a todas as pessoas que lhe creditaram a confiança do voto. Algo que, em tese, devia ser sagrado.
Contudo, creio que a problemática seja mais ampla e a atitude do vereador de Paraupebas seja indício de uma herança maldita que pesa sobre nossa cultura e identidade.
No fundo, nossa cultura política ainda é aquela do “voto de cabresto” e dos “currais eleitorais” da República Velha quando as oligarquias praticavam livremente seus desmandos e usufruíam privilégios. A Revolução de 1930 trouxe mudanças profundas, mas a noção de paternalismo político seria explorada por Vargas e fincaria raízes que ainda se verificam na atualidade. Há toda uma herança histórica que nos moldou como este povo apolítico e de fácil manipulação, o que resulta na baixa qualidade de nossos profissionais da política.
Perdemos a capacidade de distinção entre o público e o privado. Perdemos o respeito pelo o que pertence à esfera pública. Homens que são detentores de cargos eletivos temporários e, portanto, cargos públicos e que deviam representar os interesses da população e seu bem estar, empenham-se mais em garantir seus interesses próprios nos balcões de negociação do legislativo. Somos assim governados por uma categoria política que se assemelha à nobreza do Antigo Regime com suas instâncias próprias. Políticos com super salários e uma longa lista de polpudos benefícios que quase dobram seus proventos, e que não tem o mínimo pudor em exibir-se como dignatários da res pública.
Sim. Temos os políticos que merecemos. A corrupção que assola o Brasil está em todos os níveis da sociedade e não apenas entre a “classe” política. Este é o padrão da normalidade.
Assim, o verdadeiro contexto que justifica e legitima a queixa do vereador não é a sua falta de noção sobre a vida real das pessoas comuns, com salários comuns para quem, aliás, ele deve satisfações. Ele concebe seu cargo como uma posse e clama na tribuna pública por uma fatia maior. Subentende ainda a necessidade de ser corrupto para receber justos honorários.
Enquanto entendermos a política como uma prática alheia ao nosso cotidiano, como “coisa de políticos”, estaremos fadados ver nossa política e nossos direitos apropriados como patrimônio privado.
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