Getúlio: quase um bom filme

Nei Nordin

Tenho aguardado que o cinema nacional apostasse na produção de um filme sobre a temática getulista. Por isso nutri grande expectativa em assistir o filme Getúlio, lançado nas salas de cinema em primeiro de maio de 2014.

Penso que a trajetória do presidente constitui um dos mais interessantes períodos da História do Brasil e fornece farto material para muitos filmes e séries. Forçoso confessar minha decepção com o filme dirigido por João Jardim. Este diretor possui em seu currículo uma lista de documentários nos quais se inclui o excelente “Pro dia nascer feliz” de 2006 sobre a realidade educacional brasileira.

Getúlio 04Lamentei em constatar inicialmente que a produção padece do mal que predomina sobre o cinema nacional que é a necessidade de desfilar um elenco de atores conhecidos por sua freqüência em telenovelas à guisa de estratégia de audiência. Isto não tira os méritos da atuação de Tony Ramos que chega a convencer razoavelmente no papel, mas não deixa o público esquecer quem está interpretando. Ele chegou a declarar que não se tratava de criar uma cópia fiel, mas sim de buscar uma imersão na alma do personagem histórico. A excelente atuação de Drica Moraes como a filha do presidente, Alzira, também não é suficiente para salvar a obra.

Considerei igualmente lamentável que o filme enfocasse apenas os momentos finais da última fase de seu governo culminando com o suicídio. Este é sem dúvida o episódio político mais dramático da história do país, mas é preciso lembrar que a herança de Vargas é muito maior. Mesmo se tratando dos derradeiros dias do presidente, considero que os eventos foram demonstrados de forma reducionista. O que temos é um filme de intrigas de gabinete que chegam a beirar um enredo novelesco. Muitos aspectos daqueles dias poderiam ser explorados de maneira a enriquecer a obra e dar-lhe o devido contexto.

Getúlio 03Exemplo do afirmado acima é que em todo o filme encontramos apenas uma rápida referência à atuação norte americana no trabalho de manipulação da opinião pública fazendo deteriorar a imagem presidencial. É sabido que Getúlio, com seu projeto nacional desenvolvimentista desagradou profundamente grupos ligados à empresas estrangeiras que começavam a instalar-se no país desfrutando de largas e lucrativas vantagens. O filme quase sustenta que todo o problema de Getúlio tinha origem na oposição de Carlos Lacerda, sofrivelmente interpretado pelo ator Alexandre Borges.

Sendo o filme uma “trama de gabinete” era de se esperar que negligenciasse a imagem de Getúlio Vargas em sua dimensão pública. Durante o Estado Novo (1937-1945) Vargas foi o primeiro presidente a projetar-se como fenômeno de massas e fixar-se no imaginário comum. Reflexos desta construção ainda poderiam ser fortemente identificados no período abrangido pelo filme. Um recurso de narrativa um pouco mais sofisticado poderia ter feito incluir algumas cenas que contemplassem este aspecto.

Enfim, ao final da “película” minha sensação foi a de testemunhar um desperdício. Tive a forte impressão de que a preocupação com a questão histórica norteou apenas os fatos principais da cronologia. Aliás, não encontrei nos créditos finais nenhuma referência a qualquer tipo de acessória histórica. Apenas constavam pesquisa de imagens e costumes.

Continuo então a esperar um filme, quiçá um seriado, que faça jus a um período de transformações mais marcantes que este país já experimentou.

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