Nei Nordin
Cidade de Vincennes, França, 15 de outubro de 1917. O sol ainda não havia surgido e a manhã estava úmida. O pelotão de fuzilamento composto por doze homens já se encontrava em prontidão aguardando ordens. Logo atrás estava um suboficial, com a espada empunhada em mãos.
Não demorou muito, dois automóveis adentraram os portões. Eles chegavam da prisão de mulheres de Saint-Lazare e traziam uma prisioneira para ser executada. Seu nome era Margaretha Gertruida Zelle, condenada a morte por espionagem pelo governo francês. Os automóveis estacionaram e ela foi conduzida à exatos dez metros do destacamento. Não estava sequer amarrada e caminhou normalmente até a posição que lhe foi ordenada. Era comum que os condenados externassem desespero a partir deste momento, mas ela estava calma. O padre foi quem primeiro se aproximou para oferecer-lhe conforto. Seu advogado, juntamente com mais duas freiras, estavam presentes.
Margaretha Gertruida Zelle era conhecida em toda a Europa pelo seu nome artístico: Mata Hari. A mais popular dançarina exótica de seu tempo. Os detalhes sobre seu passado são pouco conhecidos. Ela mesma escrevera suas memórias em 1906, mas utilizou-se largamente da licença poética e creditou a si uma origem indiana como filha de um rajá. Sabe-se que nasceu na Holanda em 1876. Fora casada com um oficial do exército bem mais velho do que ela com quem teve dois filhos, um casal, dos quais o menino morrera tragicamente envenenado por uma governanta quando estavam instalados em Java. Mais tarde o marido obteria o divórcio e a custódia da filha. Consta que entre os motivos da separação estavam agressões físicas que ela sofria.
Após a separação Margaretha resolvera tentar a vida em Paris em 1903 onde iniciou a carreira de dançarina exótica especializando-se no estilo indiano. A fama não demorou a chegar e logo estaria se apresentando nos palcos de Berlim, Viena, Madrid e outras capitais. Todos os grandes teatros das Europa disputavam-lhe um espaço na agenda oferecendo-lhe cachês astronômicos. Também alugava seus carinhos a homens poderosos da política e da aristocracia que estavam dispostos a pagar generosamente por sua companhia. Ela apreciava muito os homens ricos e influentes.
Dizem que era dotada de incrível beleza. Possuía um olhar penetrante causava grande fascínio e admiração, o que ela bem soube usar para conquistar seus objetivos.Um romancista da época a descreveu nestes termos:
“Grande, esbelta, ela exibe sobre seu maravilhoso pescoço, flexível a cor de âmbar, uma face fascinante, perfeitamente ovalada, cuja expressão sibilina e tentadora impressiona. A boca, vigorosamente desenhada, traça uma linha móvel, desdenhosa, muito carnuda, sob um nariz reto e fino cujas asas palpitam sobre duas covinhas sombreadas nos limites de seus lábios. Os magníficos olhos, ligeiramente puxados, aveludados e melancólicos, são envoltos por longos cílios encurvados e têm qualquer coisa de hindu. Seu olhar é enigmático: perde-se no vazio. Os cabelos, muito pretos, repartidos ao meio, montam em sua face um quadro de impenetráveis ondulações”.
Tudo mudou após a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Sua fama de artista internacional passara a ser vista como uma potencial ameaça, uma vez que se relacionava com personalidades e militares germânicos. E era alvo de investigações da polícia secreta francesa. Chamada para interrogatório ela foi pressionada a “colaborar” e desenvolver relações com oficiais da marinha alemã para subtrair e relatar informações relevantes. Mas as suspeitas continuaram sobre ela e os franceses agora suspeitavam que fosse uma agente dupla. Em 1917, após desembarcar em Paris, recebeu voz de prisão sendo acusada de ser uma espiã alemã. Em julho daquele ano foi condenada e sentenciada à morte por uma junta militar.
Toda a investigação foi realizada de forma muito obscura e as provas sempre foram inconclusivas. Ela mesma não pode justificar alguns dos fatos que lhe foram apresentados. Ao final sua confissão foi decisiva para o veredicto, mas acredita-se que ela o tenha feito como pretexto para demonstrar boa vontade e abrandar a pena. Até hoje os motivos que a fizeram agir são ainda nebulosos e muitos aspectos de suas atividades permanecem obscuros.
Agora ali estava a dançarina que havia fascinado multidões inteiras nos palcos europeus. De pé a frente de um pelotão de fuzilamento para ser executada. Havia feito um pedido de clemência ao presidente francês e ainda aguardava resposta. Foi-lhe apresentado um lenço para que vendasse os olhos, ao que ela imediatamente indagou ao seu advogado: “Devo usar isso?”
O oficial respondeu: “Se madame prefere não, não faz diferença” e afastou-se imediatamente. Ele estava ansioso para que tudo se finalizasse rapidamente.
Foi com os olhos abertos que Mata Hari enfrentou o momento final. Desamarrada e olhando seus algozes de frente. Ela própria anunciou: “estou pronta” e esperou até que o sinal com a espada fosse dado. Não moveu um músculo até que se ouviu o som dos disparos seguidos por fumaças que saiam de cada fuzil. Caiu de joelhos para frente e tombou. O oficial aproximou-se a constatou sua morte. Existe a versão de que ainda disparou um tiro de revolver em sua têmpora. Ninguém reclamou por seu corpo. Após uma rápida exumação seus restos foram entregues à faculdade para ser dissecados.
Após sua morte, sua figura foi cercada por uma aura de fascinação e mistério e muitas lendas se criaram. Uma delas é a de os próprios soldados do pelotão de fuzilamento tiveram de ser vendados, pois não tinha coragem de atirar em tamanha beleza.
Na década de trinta sua história fora adaptada ao cinema, personificada por Greta Garbo, dirigido por George Fitzmaurice (Mata Hari, 1931). Outra versão feita em 1985, sob direção de Curtis Harrington, onde a espiã seria interpretada pela atriz Silvia Kristel. Há também muitas biografias. Uma delas chamada “Mata Hari – A amante fatal: erotismo e espionagem”, escrita por Julie Wheelwright (Rosa dos Tempos, 1997, 290 págs.). Outra publicação de origem espanhola é de autoria de Luis Carlos Buraya (Edimat, 2005, 192 págs.), pertencente à coleção Mujeres en la historia.
Mata Hari foi uma das mulheres que influenciaram fortemente o imaginário do século XX, num momento em que as mulheres estão conquistando seu espaço no mundo dos homens.
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