Maria Eloyza
“Aristóteles nos chama a atenção para o fato de que não existe nada na consciência que já não tenha sido experimentado antes pelos sentidos. Platão poderia ter dito que não existe nada na natureza que não tivesse existido antes no mundo das ideias”. Jostein Gaarder, em O mundo de Sofia.
Estes dois grandes filósofos gregos, e também amigos, travaram uma batalha de pensamentos para desvendar justamente a origem dos mesmos. Enquanto um propunha a razão como artefato para se alcançar a realidade, o outro denominava os sentidos como meios para se experimentá-la.
Platão (427-347 a.C), discípulo de Sócrates, elegeu a “ideia” como a origem de todos os conceitos que temos em mente. Essa “ideia”, entretanto, não vem com um sentido de “eureka, tive uma ideia”, e sim como a responsável por inserir em nós, enquanto nossa mente ainda habita um outro mundo, o reconhecimento das formas que vemos aqui onde vivemos atualmente, chamado por Platão de “mundo sensível”.
Para as concepções platônicas, antes de existirmos em carne e osso, fomos uma alma moradora de um mundo onde existiam apenas as ideias (que são perfeitas) que se materializam (de forma imperfeita) no mundo sensível. E lá, naquele mundo perfeito, recebemos todos os conceitos do que viríamos a ver mais tarde nas cópias criadas através das “fôrmas” do mundo das ideias. Segundo o pensamento de Platão, só podemos conhecer o que é imutável e verdadeiro através da razão, pois se utilizarmos os sentidos seremos enganados ao nos deparar com as constantes transformações da natureza – a natureza tal como a (re)conhecemos aqui é puro fluir da perfeição estática e segura do mundo perfeito. Dessa maneira, se perguntassem a Platão “o que veio primeiro: o ovo ou a galinha?”, ele certamente responderia: “nenhum dos dois. O que veio primeiro foi a ideia de galinha e só então se pôde reconhecer uma”.
Por outro lado, Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo do próprio Platão, discordou do “inatismo” das ideias propostas por seu mestre. Para ele, tudo que existe é o que conseguimos captar por nossos sentidos, e através da apropriação das imagens captadas podemos denominar e formar ideias do que vemos. Assim, para Aristóteles, a formação de nossos pensamentos se dá através do Empirismo, e não de uma Reminiscência, como propôs Platão ao defender o Inatismo. John Locke, 1900 anos mais tarde, em seu Ensaio acerca do Entendimento Humano (1690), diria que “O homem é uma tabula rasa”, concordando com Aristóteles na inexistência dos pensamentos inatos.
Analisando os dois conceitos sobre a origem do pensamento, chegamos a conclusão de que não se trata apenas de entender como as coisas que estão em nosso cérebro foram parar onde estão. Trata-se, também, de dar dois possíveis sentidos às “descobertas” que fazemos, referindo-se à delimitação ou não do que existe no mundo. Por exemplo: se um novo animal é encontrado, no ideário de Platão ele não é definido por nós, apenas nos lembramos dele e acabamos por catalogá-lo devido a nossa capacidade de reconhecer as ideias que tivemos no mundo ideal. Já para Aristóteles, o fato ocorrido é o fomentador do surgimento de uma nova ideia: um pensamento que não existia em nossa mente, pois até então não havíamos entrado em contato com ela empiricamente.
Resumindo de uma maneira bem simplória esta discussão de mais de dois mil anos, podemos dizer que, para Platão, as ideias partem de dentro para fora, enquanto que, para Aristóteles, elas vêm de fora para dentro.
Texto retirado do blog Causas Perdidas
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